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Onde está a Floresta ?
Escola Mare
SP
MENTOR(A)
Regina Pundek
Nossa escola, a Maré, foi fundada há 22 anos. O Projeto Político-Pedagógico contempla a resolução de problemas e o desenvolvimento integral da criança, priorizando as questões socioemocionais e ambientais. Nossa proposta de atuação é o despertar da consciência planetária em toda a comunidade educativa. Uma das ações de sensibilização socioambiental da escola é a ocupação e reconhecimento de territórios. Usávamos o terreno ao lado da escola, 2000m2, que é de outro proprietário, como ambiente de passeios e estudos. Lá havia árvores de grande porte, e uma rica variedade de fauna e flora. Batizamos o local carinhosamente como ‘floresta”. Em 2017 o terreno foi devastado e colocado à venda. No dia em que as motosserras derrubavam as árvores e os tratores arrancavam raízes, as vozes das crianças se sobressaíam, em coro, gritando: “Vai embora homem mau! Não destrói a natureza!”. Em plena manifestação de tristeza e indignação, as crianças pediam para que os homens que derrubavam a floresta parassem seu trabalho. Um deles veio até a cerca conversar conosco, disse que não era um homem mau, que aquele era seu trabalho. Mas a indignação não foi calada. Cada árvore que tombava provocava mais tristeza! A comunidade escolar denunciou o acontecido, contudo as autoridades locais nos disseram que o proprietário tinha a autorização para “limpar” o terreno. Foram dias de pesadelo para todos nós. Não compreendemos como, pois há um lago natural há menos de 30 metros e árvores antigas e gigantes. Todos sentimos uma grande perda, não só pelo ambiente de passeio, mas pelas casas de animais que foram derrubadas, e pelas vidas vegetais perdidas ali, assim como por uma floresta que de repente desapareceu. As crianças começaram a falar que sentiam que a qualidade do ar tinha sido afetada, e até diziam que a temperatura do nosso espaço tinha aumentado, pois ficamos com menos sombra e menos umidade no ar. O sentimento de indignação recebeu voz, e aos poucos foi se transformando em possibilidades de ação, em acreditar em si mesmos! A curiosidade das crianças gerou novas pesquisas de estudo. Antes eram localizadas no reconhecimento da vida vegetal, mineral e animal da nossa região. Mas passaram a focar a necessidade de qualificar o ambiente, pesquisar leis ambientais, informar adultos gananciosos (palavra que entrou para o vocabulário daquelas crianças com frequência de uso), reconhecer o que é território privado e território público e os direitos de uso desses espaços, como fazer cisternas para coletar água da chuva, como conter a água da chuva no nosso terreno íngreme para manter o solo úmido com jardins de chuva, e por aí afora, pois as crianças não param de buscar coisas bacanas que desejam fazer. Nosso Ensino Fundamental baseia-se em quatro pilares/ações no chão da escola: SER, VIVER, CONHECER e FAZER. O SER foca tudo o que é inerente ao humano, seus sentimentos, desejos, intenções e ações. Em geral, nesses momentos acontecem Rodas de Conversa ou Assembleias, quando o objetivo é dar voz a cada um e chegar a consenso. VIVER é brincar em tudo o que a brincadeira oferece, alegria, criatividade, imaginação, sentimento de pertencimento, tribo. FAZER é colocar a “mão na massa” para resolver os problemas levantados pelas crianças nas assembleias. O problema que surgiu desta vez era muito grande, mas estávamos todos bastante tocados desejando buscar uma solução. CONHECER é buscar recursos para a realização do FAZER. Estudar, planejar, tentar, errar e rever para qualificar.
Em assembleia, junto com o professor Rodrigo Toyama, as crianças decidiram que o projeto que desejavam para o FAZER era um Clubinho. Questionamos o que é um clubinho e recebemos a resposta: “é um lugar para as crianças ficarem junto à natureza, brincar, conversar com os amigos e pensar coisas para fazer. ” Nos momentos de CONHECER foram feitos estudos sobre habitações ancestrais, indígenas e africanas, com base na bioconstrução. - Desejos: Fizemos uma lista de desejos para este Clubinho, ali se declarava que as crianças queriam um local em harmonia com a natureza. Batizaram o projeto como Clubinho Florestal. Fizeram desenhos, croquis e maquetes. Entretanto, onde estava a floresta que nomeava o projeto? - Planejamento: A primeira ação foi usar galhos e tecidos, mas logo mudaram de ideia. Então encontraram tijolos e pensaram em construir um clubinho com paredes. Tentaram, mas o erro se declarou quando um professor ao apoiar o pé na parede a derrubou acidentalmente. Entre erros e acertos, as crianças perceberam a necessidade de estudar e planejar. Então, iniciaram estudos sobre agroecologia, e contrataram – via fundo de projetos – dois mestres, um urbanista e uma permacultora para ajudarem nos estudos, planejamentos e realização. Todos juntos começaram então, a planejar como seria possível florestar o terreno da escola. Diversas ideias foram levantadas tanto para o clubinho como para a floresta, tais como: taipa, bambu, palha, eucalipto? Pregos? Amarras de corda? Telhado de tecido? Telhado de folhas de bananeira? Plantar árvores frutíferas? Árvores grandes que ofereçam sombra? Plantas comestíveis? PANCs? Ervas? Como “imitar” a natureza? Esses momentos de reflexão, estudo e planejamento são chamados de CONHECER. O Conhecer é a sustentação científica do FAZER.
As crianças criaram canteiros seguindo as orientações de um sistema agroecológico. Iniciaram o trabalho descompactando a terra e retendo água da chuva. Foi um trabalho pesado, pois a terra estava bem dura e eles precisaram suar bastante para atingir o intento. Fizeram canteiros experimentais e composteiras. Realizaram mutirões com a comunidade escolar e assim começaram a plantar árvores. Outras plantas pioneiras germinaram por polinização, e muitos animais começaram a visitar o nosso terreno. Que emoção! Há pássaros, insetos diversos e mamíferos como micos, esquilinhos, saruês e até uma capivara já nos visitou! Em apenas um ano já havia mais de 30 espécies de plantas. No ano seguinte as crianças sentiram a necessidade de qualificar a floresta. Desejaram um lago, compreendendo que o ambiente deveria ficar úmido nos meses de estiagem. Claro que começaram testando, cavando buracos que enchiam de água, mas ela logo sumia. Então, chegaram novamente a conclusão que precisavam mesmo estudar como fazer para imitar a natureza, tão sabida! Como a água fica em cima da terra? Como ela permanece limpinha? Sem cheiro? Novamente mestres especialistas foram contratados pelas crianças com o dinheiro de seu fundo de caixa. Foram meses de reflexão, estudo e planejamento até chegar na ação. Aconteceu um mutirão com a comunidade escolar para cavar o buraco onde ficaria o lago, forraram com malha e manta impermeável, e finalmente preencheram o local com água. Nesse momento, a primeira libélula surgiu para beber água. A comunidade educativa parou; era a celebração da VIDA! Foi feito o plantio de mata ciliar e colocadas as macrófitas para filtrar a água. As crianças trouxeram de lago natural, que fica perto da escola, girinos e peixinhos. Com a terra retirada do buraco do nosso lago os pais e as crianças fizeram uma escada usando a técnica de cob on wood e também um muro de taipa no clubinho. A compreensão deste fazer atuando no espaço, e aprender todos juntos tem sido uma constante para as crianças, professores, funcionários e famílias. Este ano, 2021, as crianças já catalogaram mais de 100 tipos de plantas na nossa floresta, que virou morada de muitas espécies animais e de fungos. O trabalho continua para além dos muros da escola, com a ocupação e revitalização de praças públicas no bairro (projeto em desenvolvimento).
A Comunidade educativa compreendeu que temos uma escola mais inteira em unidade com o planeta, e qualificou o olhar para o espaço do nosso próprio quintal que, de fato, se tornou uma pequena agrofloresta. Houve também uma reformulação no fazer pedagógico, incluindo permanentemente a resolução de conflitos socioambientais. Toda a equipe (pedagógica e administrativa) tem realizado estudos e oficinas sobre agroecologia. Esta nova práxis se revela nas crianças, através de seus projetos. Nos tempos de aulas virtuais por causa da pandemia, percebemos um impacto grande que as crianças estavam vivendo devido o que haviam realizado presencialmente nos dois anos anteriores. As crianças criaram uma hashtag que elas mesmas nomearam de #eunaomedistanciodanatureza. Ela é ferramenta para um projeto de mesmo nome, que era uma provocação e convite para que as famílias se envolvessem, vivenciassem e filmassem como em suas rotinas, em seus ambientes estavam envolvidos com a natureza durante a quarentena. Vieram filmes que mostravam composteiras domésticas, semeadura de diversas plantas, acompanhamento de lagartas virando casulo e posteriormente borboletas, o livre brincar nos quintais de diferentes formas, etc. Sabemos que tudo isso foi impacto dos anos anteriores, da construção e valorização da floresta da escola.
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- O Sr.José Walter, Coordenador do Projeto Cidade VerdeAzul em SP, foi apresentado à nossa escola de forma virtual por intermédio de uma pessoa que admira o projeto. As crianças gravaram um vídeo contando para ele a história do reflorestamento da escola. Em seu depoimento/resposta para elas, José Walter reconhece e afirma a potência deste projeto, as competências (cognitivas e socioemocionais) desenvolvidas pelas nossas crianças, e a possibilidade de que nosso projeto de reflorestamento seja replicado em outros ambientes educativos. Quando ouviram a resposta as crianças se sentiram muito contentes, orgulhosas de seu feito! Os pais também foram convidados a ouvir o áudio, pois a floresta é também fruto de seu suor. - A visita de quatro indígenas da tribo Fulni-ô foi um verdadeiro batismo vivido com o coração. O retumbar dos tambores e cantos trazia verdades primitivas ao nosso chão. Foi um grande reconhecimento! Naquele dia a escola parou, no tempo e na emoção! Somente um deles fala português e nos disse: esta floresta é pulsante e viva!
Baixar nossas próprias expectativas de adulto pragmático. Trabalhar a indignação, sentimentos e fantasia de crianças tão pequenas, dando voz a elas e a seus desejos. Ajudá-las a traduzir seu imaginário para algo que realmente respondesse suas grandes questões. O tempo do acolhimento, do sentir e imaginar, precisou ser bem respeitado e elaborado, ou as crianças não se engajariam e celebrariam suas vitórias, como o fizeram e se mantém fazendo. Em relação ao reflorestamento, o desafio era implementar uma rotina escolar que dialogasse com os tempos de chuva, de estiagem, de maior calor. Tratava-se de trazer organicidade para o cotidiano da escola. Quanto à comunidade escolar, sentimos o desafio do engajamento, e superamos este desafio diariamente com a paixão das crianças, e sendo incansáveis com os adultos. Desenvolvemos campanhas, criamos eventos, mutirões e celebrações.
MAIS DE 30 DIAS
Cidades e Comunidades Sustentáveis
No início as famílias foram sensibilizadas através do engajamento das crianças. Toda a equipe de educadores passou por formação em agroecologia. Para envolver a comunidade escolar, realizamos mutirões e celebrações. É impactante o reconhecimento da importância do trabalho das crianças. Os adultos se congratulam com o suor e determinação de seus filhos, sobrinhos, netos e alunos. Divulgamos o projeto em coletivos de educadores (Rede Nacional de Educação Democrática, Românticos Conspiradores, Centro de Referências em Educação Integral, Instituto Alana, entre outros). As publicações que a escola faz nas mídias sociais vêm sendo acompanhadas e nos apontam reconhecimento do trabalho, especialmente quando recebemos convites para participar de projetos semelhantes, para escrevermos e publicarmos em outras organizações, para divulgarmos nosso projeto para educadores de outras cidades, para virem conhecer nossa escola e a floresta. Representantes do poder público também conhecem o nosso projeto, e reconhecem seu potencial replicável.
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